Levi Nauter
Às vezes te odeio por quase um segundo
depois TE AMO MAIS
Herbert Vianna (grifo meu)
Amor,
Faz no máximo dois meses
(enquanto escrevo tu estás com quase três anos e dez meses) que nos permitimos
dar-te chiclete. Até então, quando eu
ou a mamãe estávamos mascando-o, tu vinhas curiosinha questionando “que tu tá
comendo?”; “remédio”, dizíamos. Em certo sentido é remédio. Certa vez, quando
eu estava com a garganta congestionada por uma gripe e parecia trancar os meus
ouvidos, o médico lascou “masque chiclete para ajudar a melhorar a audição”. E
assim fiz. E ajudou mesmo. Para você não correr nenhum risco de acidente,
optamos pela cautela de protelar tua iniciação nisso que é quase um vício meu.
Acontece que no teu léxico
andam surgindo palavras novas, mais rebuscadas. A tua gramática interna está se
ampliando cada vez mais, e mais ligeiro do que a gente imaginava. A
consequência disso é que nosso poder de argumentação – aquele bobinho para
criancinhas – passou a minguar. Com isso eu e a mamãe temos de experimentar
cada vez mais a difícil arte do convencimento. Difícil porque, a priori, tua inclinação e ir de encontro (e não ao encontro) do que a gente quer.
Agora tu já entendes o que
significa, na prática, não poder engolir. Quando tu comes azeitonas, por
exemplo, a gente sempre te orientou: ‘o caroço não pode ser engolido, se não
tranca no pescocinho da Flor’! imaginando-se verdadeiro o adágio “água mole em
pedra dura tanto bate até que fura”, tu soubeste apreender essa história de
engolir ou não.
Nesse final de semana tu
disseste algo que achei tão lindo.
Pediste um chiclete.
Demos-te.
Mas acompanhado de todo um
discurso sobre o cuidado com a goma de mascar.
A tua resposta?
“tá bom, eu só vou engolir
o gostinho”.
Filha, a tua vida trouxe mais vida
para a minha vida.
Eu te amo, filha.
NOTA
A foto foi tirada pelo celular lá na
casa da vovó Jussara no final de 2012. Lá o pátio é bem grande, então
aproveitamos e levamos a tua bicicleta para que tu andasses sem que nos
preocupássemos. Quanto à poesia usada como epíteto, tanto eu quanto a mamãe conhecemos mais a versão dos Paralamas do Sucesso; no entanto, a composição (autoria do texto) prioritariamente - numa rápida pesquisa na web - atribui-se a Herbert Vianna ou Cazuza. Optei pelo primeiro por ter conhecido a música a partir da voz dele.