segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Um primeiro ciclo que acabou

Levi Nauter




Amor,
Há algum tempo que não retomo os textos escritos pra você. Faço isso agora para retomar fatos importantes que ocorreram contigo.
Desde bem antes de tu nasceres, eu e a mamãe tínhamos em mente deixar-te numa escola infantil. Sempre pensamos que, tendo nascido, seria o nosso grande presente (és e sempre serás) e deveríamos 'nos virar' contigo. Com esse pensamento, a mãe ficou seis meses em licença maternidade. Terminada, eu tirei mais três meses de licença para cuidar de ti (e como era mais fácil naquela época). Então, com onze meses, matriculamos você na escola. Foi um grande desafio.  Para nós, os pais. Esse corte do cordão umbilical é sempre pior aos pais. Imaginávamos que irias chorar, querer a gente, espernear, erguer os braços pedindo colo pra nós. Nada disso aconteceu. Fomos pra casa e choramos.
Teu desenvolvimento foi estupendo. Berçário, maternal e pré-escola. Nas conversas com os professores sempre ouvimos elogios. A partir de um determinado tempo, os elogios começaram a vir acompanhados de uma observação: "ela é ótima, faz todos os trabalhinhos", mas "é bastante geniosa"; também ouvíamos alguma coisa como "ela bem é querida, mas tem que ser do jeito dela". Mais para o final dos teus anos começamos a ouvir alguns reclames. Na agenda diária, deu em aparecer comentários do tipo "hoje ela teimou"; "ontem a profe ficou triste porque a Maria não obedeceu". Certa vez fui te buscar e, mal havia entrado na escola, a menina prô saiu 'atirando' "paizinho, ela só teimou hoje".
Tais comentários nunca me soaram bem.
O que mais desejo é o teu desenvolvimento, minha filha. E tenho sérias dúvidas se ele vem a partir da passividade. E tendo a crer que não. Quanto ao seres geniosa, sempre foi para mim um motivo de orgulho. Quanto a teres o teu jeito é com que me fascina. Esse é o teu jeito, essa é a tua característica. Tens opinião, tens um ponto de vista, tens um jeito especial de ser que eu torço para que não mude. É claro que irás amadurecer com o passar dos anos; isso é natural. Por ora ainda és uma criança. Uma criança linda e que me dá um prazer enorme quando escuto tua voz, tua risada. Não me restam dúvidas do quanto irás mudar. Isso ocorrerá não apenas porque recém tens cinco aninhos. Mudarás porque essa é a principal característica dos seres humanos - ainda que não admitam. E a gente não muda sendo amiguinho. Sabe, meu amor, há um educador que o pai adora chamado Paulo Freire. Pois, ele dizia que a gente não muda sem romper. Há uma espécie de linha reta na vida da gente com a qual, de tempos em tempos, a gente se chateia e tenta balançá-la. Ela irá baixar, levantar ou até se romper. As nossas aprendizagens são assim. O que me parece mais triste é viver com a corda reta e nunca se indignar com ela. Isso seria sinal de doença, de apatia, de conformismo, uma falta de sonho que não te desejo.
Jamais sonhei que fosses uma maria-vai-com-as-outras. Igualmente não te imagino na turma do gargarejo, nem na manada, tampouco como parte de uma tropa. Mas não ser assim dá trabalho, incomoda. Haverá, certamente, momentos nos quais terás de calar-se estrategicamente. Será, no entanto, por um tempo a fim de que a poeira baixe, até que sejam renovadas as tuas forças. Meu sonho é que sejas sempre forte, como, aliás, vens sendo.
No dia em que ouvi que foste teimosa, numa afirmação peremptória, resolvi não te falar nada. Quando chegamos em casa fui sondar o que poderia ter-te acontecido. "O que aconteceu, filha?" - questionei interessado. Com teu jeito peculiar de também falar com as mãos, explicaste uma série de fatos. A conclusão a que cheguei foi de que havia uma razão para a tua insurgência. Penso que as razões para eventuais teimosias também deveriam ser levadas em consideração por quem se arvora educador. Em última análise, isso é exatamente o que acontecerá conosco - entre mim e você. Estou ciente de que isso será vivido por mim mais intensamente na tua adolescência - um dos momentos em que mais a gente teima (pelo menos comigo foi assim). Será um período de intensas emoções. Tu vais teimar bastante, achar que sou um quadrado, um velho, um desatualizado. Mas isso não me incomoda. Também sei que entre a tua teimosia e minha carranquice estará o amor. O amor de um pai que sempre quis ter uma filhota. Portanto, o meu amor, o meu cuidado por ti sempre será maior do que a tua teimosia. Simplesmente porque sou teu pai meu amor é incondicional.
Mas a tua teimosia nunca estará acima do meu cuidado de pai. Isso significa dizer que aquilo que você quiser passará pelo crivo do meu cuidado. Assim, se a minha avaliação for contrária a tua certamente não adiantará você teimar. Penso que essa deve ser a avaliação dos educadores em relação à seus educandos e suas educandas. Ou seja, entender que a teimosia é parte do crescimento e que, contudo, nem sempre com ela se deve concordar. Apenas reclamar que andam teimando não resolve.
Agora o ciclo nessa escola terminou. Foi um bom tempo. Nela aprendeste alguns passos de ballet, conheceste algumas coleguinhas; passaste por várias professoras.
Neste 2015 iniciarás um novo ciclo, no ensino fundamental.
Acho que tu vais gostar.
Vou te contar das primeiras impressões enquanto ainda és pequena pra lembrar de tudo.
Eu te amo.


Um comentário:

  1. Parabéns Levi, pela escrita amorosa. Amei o texto! E, repetindo, o nome da sua filha é lindo. Uma bela escolha. A Maria Flor está bem encaminhada, pois a vida requer teimosia. Abraços.

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