sábado, 14 de maio de 2011

[anúncios que vêm da brincadeira]

Levi Nauter




Maria Flor,
Existe um cara chamado Freud que, se vivo fosse saberia explicar o que acontece com a gente. Todos nós que estamos vivos. No entanto, minha formação me permite inferir com tranquilidade coisas ligadas à área da sociolinguística. Esta área do conhecimento estuda o nosso comportamento social e os reflexos dele naquilo que a gente fala. Dizendo de outro jeito e exemplificando contigo, muito do que tu fazes e dizes enquanto brincas tem a ver com o que fazem e dizem pra ti.
Estou dizendo isso porque agora que tua fala é bem inteligível noto certas palavras diferentes das costumeiras aqui em casa. “Tinhâmu” é comum: uma palavra que eu pouco ouvi na infância e faço questão de interminavelmente dizê-la. E como tu utilizas essa palavrinha com as bonecas...
“Passabênci”, outra palavra que inicia a canção tradicional de aniversários. Esta você canta pra nós (eu, mamãe e bonecas) em casa e ainda fazes algo lindinho – que nem eu nem a mamãe fazemos, ou seja, vem da escola infantil: o famoso “é big, é big, é big...”/ “é Lola, é Lola, é Lola”/ “a-ti-bum”. E tem o gran finale: “ê ê ê ê ê ê, biba!”
Contudo há duas palavras que não chegaram a ti por mim ou pela mamãe. Temos certeza que vieram da escolhinha. De repente, semana passada, começaste a dizer “bicho papão”. Ora, nas minhas lembranças isso tem a ver com o escuro, uma forma de fazer com que os pequenos não fiquem afastados dos pais. Um jeito sinistro de ensinar o medo, algo de que sempre tentaremos manter distância. Engraçado foi ver que, questionada, não hesitaste em dar nomes.
Diferentemente do “bicho papão” que não carece de uma posição de mais forte (tu falas para mim ou para a mamãe e, digamos, a gente te ‘protege’ dizendo que não há o que temer) a outra palavra requer um mandante, alguém em posição de poder. Possivelmente por isso é bem comum tu utilizares o tal vocábulo dirigindo-se às bonecas (a mim ou a mãe só nos casos em que claramente fazemos o papel de bonecas, de dominados, de fracos ou frágeis), com o dedo em riste: “bachessebraço”, não sem o “rãmmm”. Uma das melhores admoestações dirigidas a uma boneca a que já assisti. Aqui também a gente fica sabendo claramente quem diz ou dá as ordens.
Ainda bem que as tuas brincadeiras anunciam coisas boas: que és carinhosa, fofa conosco e com as bonecas – além dos parentes. São essas brincadeiras que te tornam cada vez mais especial, singular e amada por nós, teus pais.
Continue assim pois desse jeito acreditamos que vais tornar-te cada vez mais autônoma. E é isso que sonhamos pra ti.
Como é bom te amar!!!





NOTA
Texto escrito em 11-05 e digitado e postado em 14-05-11 ainda ao som da Brook Fraser.
Tirei a foto no momento em que brincavas lindamente com as bonecas.

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