domingo, 31 de janeiro de 2010

[3] a onda

Levi Nauter




Querida filha,
Pelo avançado da hora estou quase exausto. Hoje passeamos bastante, a partir das 17h (hora recomendada a quem quer manter a pele longe dos diabinhos cancerosos. Agora são duas da madrugada. Até uma hora atrás estavas dando-nos um suador de tanto andar pela casa. Antes de dormir tu tens reforçado os versos “criança não trabalha, criança dá trabalho”[2]. Mas a gente aguenta.
O dia de hoje (18-01-2010)  valeu nossa curta estada na praia do Pinhal. Levamos-te pela primeira vez à beira do mar e registramos com fotos e filminhos.
Como nos alegrou ver-te tão feliz, tão radiante, sorridente e brincalhona. Por longos quatorze anos sonhávamos com esse dia; igualmente nesse período observamos outras crianças brincando à beira-mar. O resultado disso tudo – hoje – foi um pai besta (besta de tanto orgulho, otário de tanto amor) imitando tudo aquilo que mais criticara: um outro jeito de comunicação entre pais e filhos, algo que sem explicação racional diminui as palavras (papá, mamá, mimi, biquinho etc.), uma espécie de surto na fala que toma conta dos pais e os leva a cenas quase ridículas. Importa que eu e a mamãe estamos extremamente felizes contigo. É um amor puro, é um desejo incontrolável de te beijar, abraçar, cheirar, apertar e ver-te como te vimos: engatinhando na areia, esperneando faceira querendo brincar com água. Chupando os dedinhos salgados do mar; sentindo a textura da areia com as mãos e com os pés.
Foi um belo fim de tarde.
Só para constar, na mesa em que escrevo há um livro com uma seleção (infanto-juvenil) de poemas. Ele me fez notar que até agora escrevi, escrevi e disse muito pouco. Acho que foi a emoção de ter visto meu bebê no mar aos nove meses. A página que abri me deixou mais calmo. Fez-me ver que esse texto não tem como sair diferente. Muitas e muitas vezes aqueles que amam ficam assim mesmos num “samba de uma nota só”[3].

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Fernando Pessoa


PS: eu te amo














NOTAS

Texto digitado (porque primeiro  ele foi escrito num caderno) ao som do CD ‘certinho’ de Sam Levine chamado Smooth Praise: a smooth jazz worship experience. ‘Certinho ‘ por que não há nada de estupendo, de brilhantismo, mas é um Cdzinho que cumpre bem seu papel: ir rolando num som enquanto a gente faz uma coisa mais útil.
[2] Trecho da música Criança não trabalha, dos compositores Arnaldo Antunes e Paulo Tatit; belamente interpretada pelo Palavra Cantada.
[3] Belíssima composição de Tom Jobim (um dos meus músicos-mor) e Newton Mendonça. Pensei no trecho “Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada, ou quase nada”. Vale conferir a obra toda desse mestre da brasilidade – e, sorte a nossa, um dos compositores mais executados no mundo.
 

Um comentário:

  1. Fico imaginando a cena da Florzinha bem sapeca à beira mar.
    Aproveitem mesmo esses dias, cada momento de descobertas; faz parte do pacote dos presentes imerecíveis que o Pai nos dá.

    Grande beijo pra vcs.

    Ane

    ResponderExcluir