domingo, 17 de abril de 2011

[uma poesia para ti: os pássaros]

Levi Nauter





Querida filha,



A primeira vez que ouvi da tua boca a palavra pataínho eu fiquei muito, mas muito feliz. Estávamos na nossa casa, nos fundos do pátio. Observávamos as árvores, o gramado. Aí, de repente, um passarinho pousou no muro, desceu até a grama atrás de comida. Ficou um bom tempo buscando alimento. Quando tu viste o bichinho começaste a falar: “papai, alá o pataínho”.
A partir desse dia, noto que tu ficas observando as árvores, o gramado e tudo aquilo donde pode sair algo diferente para os teus olhinhos, para a tua sensibilidade. E isso me deixa cheio de orgulho. Outro dia estávamos no carro, numa BR, e você olhando a movimentação. Em meio a uma plantação de arroz, distante da faixa na qual viajávamos, avistaste um pataínho e notaste uma luz que – distante – sinalizava uma antena, ou de rádio ou de celular. Nada mau a uma menina com dois aninhos.
Agora, meses depois, li uma poesia cujos trechos remeteram a você. Continue assim, diferente, observadora, admiravelmente maravilhosa.

Andar à toa é coisa de ave.
Meu avô andava à toa.
Não prestava para quase nunca.
Mas sabia o nome dos ventos
E todos os assobios para chamar passarinhos.
(...)
Meu avô era tomado por leso porque de manhã dava
bom-dia aos sapos, ao sol, às águas.
Só tinha receio de amanhecer normal.
Penso que ele era provedor de poesia como as aves
e os lírios do campo.
Manoel de Barros[1]

Sabe, filha, há um monte de palavras que, saindo da tua boca, me soam como as mais belas poesias.
“Papai” e “Eviiiii”, são exemplos.
Eu te amo.





[1] A poesia citada chama-se “o provedor” e é parte do livro de poesias selecionadas denominado A poesia dos bichos, de Thiago de Mello, Manoel de Barros e Carlos Drummond de Andrade.  A obra foi publicada em 2002 pela Bertrand Brasil. 

 Desenho de Jillian Phillips para o livro PEQUENOS AJUDANTES-Ciranda Cultural- 2010

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