segunda-feira, 27 de junho de 2011

[a difícil arte de cuidar de uma Flor II]


Levi Nauter

Meu amor,
Hoje me peguei verificando os títulos que já dei para os teus textos. Parei em ‘a difícil arte de cuidar de uma Flor’. Como podes notar, repeti-o e acrescentei o número dois. Isso porque continuo achando que há momentos embaraçosos no cuidado contigo.
Calma! Não é culpa tua. Não é culpa minha. A culpa não é de ninguém. Na verdade tudo está seguindo o caminho natural da vida. Já visitamos, desde que nasceste, três conceituadas pediatras de Canoas – sendo uma pneumo e outra homeopata, e todas foram unânimes em dizer que essa situação seguirá até por volta dos teus quatro aninhos. Ou seja, ainda tenho mais dois anos para me acostumar vendo-te adquirir imunidade a partir de um pouco de sofrimento. Nada prazeroso para um pai como eu.
Nos últimos três meses, a cada quinze dias, passamos pelo martírio das consultas, ou dos laboratórios clínicos, ou das farmácias (pedindo desconto). Há lugares nos quais teu nome já é bem conhecido: “ah, a Maria Flor...”. porque a mamãe trabalha em escola e com alunos, eu é que te levo à maioria das consultas. Nisso há um problema de gênero: os homens quase sempre esquecem algum detalhe. “Tu falou que ela teve febre tal dia?” ‘Não’ – respondo envergonhado. “E disse que ela já tomou o remédio tal?”, ‘Bah, esqueci’. A gente, em geral, tem apenas um foco. A fim de amenizar, escrevo bilhetes e já chego tascando às doutoras: “eu tenho uma listinha de coisas pra lhe dizer e/ou perguntar”. Elas sempre riem.
Nas farmácias o choro, tanto meu quanto da mãe, é pelo maior desconto possível. A média de preços em remédios é de R$ 200,00; com nosso choro podemos chegar a uns R$ 170,00 – aproximadamente. Em um mês, é de preocupar não o gasto em si (porque você não tem preço) mas o tanto de remédio que você consome. O tratamento homeopático, tão propalado atualmente, comumente é suspenso pela própria homeopata que opta, digamos, por uma resposta mais rápida.
Nada se compara, no entanto, com os laboratórios clínicos. Neles os teus medos, filha, vêm à tona. Houve um exame de urina, por exemplo, quando tinhas um aninho, que foi feito no Hospital Santo Antônio. Uma pequena bolsinha de plástico foi posta na tua pepequinha. Em razão de nada sair e só te assar, a médica (como nos deu raiva dela) resolveu fazer ‘punsão’ – uma das coisas mais terríveis aos pais. A médica pega uma seringa com agulha, fura tua pele (abaixo do estômago) pprocurando atingir a bexiga e ‘puxar’ a urina. Teu choro era tão intenso que mais parecia um ‘uivo’, uma coisa horrível. Eu e a mamãe choramos juntos, impotentes, só queríamos o melhor pra ti.
As vacinas foram um caso à parte também. Existem algumas que o governo não dá. É necessário, então, se os pais tiverem interesse e um pouco de dinheiro, que se pague para fazê-las. E assim agimos. Uma delas, admitidamente dolorida, exige que o pai ou a mãe segure firme a perninha da criança para que não se mexa. Deu uma dor em nós ter de fazê-las, mesmo sabendo dos benefícios. Bem que poderia se estudar a criação de algo indolor. Enquanto isso não acontece, o jeito parece ser entreter-te até que tu sintas a picada da agulha e aí a injeção já terá sido feita.
Dia desses tive de levar-te para fazer um Rx de seios da face e pulmões. Que desafio! Primeiro porque ninguém queria fazer Rx em uma criança de dois anos. Conseguida a clínica, marcamos para as 11h a ‘fotinha’. No caminho, de carro, fui dizendo o quanto seria legal a foto que ela iria tirar. Então tive o segundo motivo do desafio. Ao entrarmos na sala ela começou a chorar. “Com ela chorando não dá pra fazer” – disse o técnico, um senhor de idade, aparentando estar zangado. Vendo que você não parava, meu amor, ele disse: ‘a doutora deve ter um remedinho que a faça ficar calma e até dá um soninho’. Corri contigo até a pediatra que não quis dar o remédio. Fui para casa da vó Jussara; ali almoçaste e não te deixei dormir. No meio da tarde retornamos à clínica. A essa altura, já era uma técnica e não mais o técnico. Aquela, diferentemente deste, trouxe um pirulito (do Patati e Patatá) e fez uma negociação contigo: “Flor, vamos tirar uma foto e depois eu te dou este pirulito, ta bom?”. E assim fizemos o Rx.
Para finalizar, meu amor, nosso último exame (digo nosso porque fui junto) foi uma ecografia, com pesquisa gástrica a fim de detectar um possível refluxo. Quando te coloquei na maca para o exame, assustada, começaste a chorar. Afinal, uma sala sem luz forte, com três monitores ligados, barriguinha de fora e tantão de gel por cima... Fiquei pertinho segurando tua mão e tentando te acalmar. Eram lindas aquelas lágrimas de medo. A doutora conversou na vã tentativa de também te acalmar: “olha bebê, você vai aparecer na televisãozinha”. Nada estancava teu choro. Restou-me, com bastante compaixão, acarinhar teu rostinho e, após o exame (que nada detectou), encher-te de beijinhos.
Por que eu contei tudo isso? Para dizer o quanto te amo, pra dizer que muitas das tuas dores doem em mim e na mamãe também.














NOTA
A foto é uma prova de todo um rodeio que tivemos de fazer pra você se convencer de fazer um raio x de seios da face e pulmões. Tivemos de te dar um pirulito que carimbava as fotos de Patati e Patatá. Enfim, conseguimos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário